Os alertas da Sedes
Saúda-se a intervenção da Sedes, no final da última semana, no diagnóstico que fez do país. Num momento de empalidecimento do exercício de cidadania em Portugal e quando não são tidos em conta os contributos possíveis para enfrentar os reais problemas da sociedade.
Já se sabia que o documento da Sedes não seria bem recebido pelos responsáveis governamentais - cujo discurso irrealista voltou esta semana a ser contrariado por estudos insuspeitos de Bruxelas sobre a pobreza nas crianças.
Trata-se, de facto, de um abrir olhos. De uma pedrada no charco no conformismo que mina uma sociedade rendida à inevitabilidade do seu fado. É, enfim, a confirmação pública do que todos vão sentindo à sua volta: o "mal-estar difuso", a "degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários", a "presença asfixiante" do Estado em toda a sociedade, o "estado de suspeição generalizada"... A criminalidade que aumenta - "crescente ousadia dos criminosos" - em contraponto com "uma espécie de fundamentalismo ultrazeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom senso" em alguns actos praticados pelo Estado; as situações de desconfiança decorrentes de "duvidosas articulações com interesses privados"... O que se sente e diz à boca pequena!
O alerta de que poderá haver uma "crise social de contornos difíceis de prever" deve ser levado a sério. Muito a sério. O momento é de descrença na estrutura democrática tal como vem sendo utilizada e de desacreditação nos líderes. O "vácuo" existe já, com o abstencionismo e a indiferença crescente; e para que emirjam as "derivas populistas, caciquistas e personalistas" só falta mesmo que se acentue a tendência de pobreza que alastra por todo o território luso e que não se vejam resultados das políticas que o governo diz que vai concretizando.
Alertas destes não devem ser desmentidos ou ignorados, não merecem ser menorizados ou esquecidos. Os seus autores não devem ser vistos como agitadores quando a participação cívica, deficitária, podia ser estimulada e vista como uma mais valia na ambição colectiva de um melhor futuro.
Seria oportuno que estes alertas desencadeassem uma atitude reflexiva que conduzisse, por sua vez, à criação de políticas que fossem ao encontro das necessidades dos cidadãos. Apelando, talvez, a práticas inovadoras e verdadeiramente mobilizadoras.
Para isso, é preciso "mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço". Mas também mudar mentalidades. Em partidos fracturantes, com presença "dominadora, a ponto de asfixiar a sociedade", e virados para os seus interesses e não tanto para a causa pública, será talvez impossível.