Ontem, quando chegava a casa de mais um treino, sou surpreendido com uma chamada telefónica do Miguel Cunha. A Rádio Botaréu entrevistava o Mico, recentemente saído da BARC, onde desenvolvera bom trabalho, e a equipa em estúdio queria fazer-lhe uma surpresa.
Gostei. O Mico foi o único atleta que fez comigo todos os meus primeiros sete anos como treinador do Recreio. Acompanhei-o dos iniciados aos seniores.
No seu primeiro ano como sénior, participávamos com sete ex-juniores na 2ª divisão nacional, conseguiu a titularidade, jogando com regularidade.
Estreei-me como treinador principal em 1992, precisamente nesse seu primeiro ano como sénior. É verdade! Na Covilhã, perante o Sporting local. Em Março. Aos 4 minutos ficámos a jogar com 10, por expulsão do jovem avançado poveiro Paulo Oliveira. Mas ganhámos por 1-0! Ironia do destino, foi Mico quem, com um pontapé canhoto de fora da área, fez o golo do êxito a um quarto de hora do fim.
Que estreia! Apesar da viagem, naquele autocarro Toyota de 1982, com 18 apertados lugares e 10 horas sentados (cinco para cada lado), nem dormi. No dia seguinte, antes das oito da manhã, já andava a pé! Comprei jornais. Vivi o momento! Não completara ainda 29 anos.
A deslocação conheceu episódios para contar. O condutor do nosso autocarro tinha pavor ao IP5 e descia frequentemente com a segunda engatada. O barulho do motor era insurdecedor e circulávamos a passo de caracol... Foi o Arsénio, que viajava ao lado do condutor, mais do que um co-piloto, o seu guia espiritual.
- Meta a terceira!... E ele metia. - E agora a quarta!...
Nas apertadas curvas à saída da Guarda, feitas em contra mão com medo do imenso precipício que surgia à sua direita, foi o Arsénio quem controlou o pânico de quem guiava mais 18 vidas.
No regresso do jogo, novamente na Guarda, o jantar do condutor ficou no prato, tal o pavor de ter de regressar pelo IP5.
Chegámos, porém, sãos e salvos a Águeda. Com 3 pontos na bagagem e eu visivelmente eufórico com uma estreia no momento prometedora. Santa inocência...
P.S. - Hoje, no mesmo clube, treino jovens atletas nascidos em 1989 e 1990. São juniores. Estariam no infantário. Destaco a excelência da formação humana de alguns e o enorme potencial futebolístico de outros. No tempo do Mico, porém, e chegados a juniores, a habituação à exigência era uma realidade adquirida e perfeitamente cimentada.