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d'aquém e d'além

COISAS E COISINHAS DO NOSSO MUNDO augusto semedo

d'aquém e d'além

COISAS E COISINHAS DO NOSSO MUNDO augusto semedo

Torla

Augusto Semedo, 31.07.07

O nome pode nada dizer, como a mim nada me dizia antes. Foi ali que arranjei alojamento apenas por ser próximo do parque de Ordesa. Trata-se de uma pequena povoação situada numa encosta do vale do rio Ara, apresentando traços de ruralidade, que permanecem apesar do turismo florescer e ser hoje fonte de riqueza. Do turismo depende aquela pequena comunidade, habituada a séculos de isolamento mas agora ponto de destino de quem pretende chegar ao parque natural Património da Humanidade.

O seu casario tem sido recuperado e são agora raros os exemplos que nos permitem concluir que ainda não há muitos anos o cenário seria de degradação.

Hotéis e 'hostales', casas de turismo rural, vários parques de campismo, restaurantes e bares, lojas de artesanato e de artigos para utilizar nas actividades de montanha, lojas de produtos alimentícios para abastecer quem faz as longas caminhadas, empresas de desportos de aventura... toda a actividade económica depende do turismo e de um filão - que existe mas que é, de facto, aproveitado e rentabilizado em toda a plenitude e para todas as bolsas, sem elitismos mas com qualidade.

A ligação por autocarro ao parque natural de Ordesa (8km) está concessionada a duas empresas. Entre as 6 e as 22h o transporte é assegurado (a partir das 8h numa frequência de 10 em 10 minutos!); entre os motoristas há um sistema de comunicação porque, para chegar ao parque, em algumas zonas, a estrada só permite a circulação de um veículo de cada vez. Nas horas de maior afluência são mesmo dois os autocarros colocados em simultâneo à disposição. Tudo organizado, pensado sobretudo no essencial: na satisfação de quem visita a região!

Não é esta a primeira vez que escrevo sobre exemplos que nos chegam de Espanha, de pequenas comunidades habituadas ao isolamento que ganham entretanto nova dimensão económica à custa de um sector que é potenciado com profissionalismo, com visão e com eficácia.

Torla fica a 25 km da estrada principal, um acesso secundário a França (distante de auto-estradas) que serve contudo duas estâncias de esqui. A estrada de Biescas até Torla é sinuosa e, quando neva, pode ficar vedada ao trânsito no seu ponto mais elevado. Mas Torla cresce e recebe bem quem a visita. Tratava-a com indiferença, hoje está entre as boas referências das minhas viagens!

Um dia (bem suado) no parque de Ordesa

Augusto Semedo, 27.07.07

Um dia no Parque Nacional de Ordesa e Monte Perdido (Pirinéus de Aragão, Espanha), declarado como tal em 1918 e como Património da Humanidade pela UNESCO em 1997. São 15.608 hectares dominados pelo Monte Perdido (3.355 metros de altitude) e por uma paisagem de contrastes: da extrema aridez nos pontos mais altos aos verdes vales, com cascatas e uma comunidade botânica considerada única na Europa.

Começou cedo e anunciando calor. De mochila às costas e com mantimentos para uma caminhada de 16 a 20 km. De Torla, a pequena e típica povoação onde fiquei alojado, ao parque - onde o acesso é vedado ao trânsito automóvel - o percurso de oito quilómetros foi feito de autocarro. Duas empresas concessionadas garantem o serviço de 10 em 10 minutos, das 6 às 22h.

Escolhi o percurso mais popular, subindo por um trilho aberto na margem esquerda do Rio Arazas. Passei por muitos espanhóis e franceses, e também por alemães, holandeses... Portugueses é que não. Famílias inteiras, pais com filhos pequenos ao colo, crianças que distraíam o cansaço cantando, gente mais idosa, muitos jovens... 

Da Pradera de Ordesa (1.300m) a Cola do Caballo (1.787m) atravessa-se todo o vale de Ordesa no sentido longitudinal. Contemplam-se três cascatas seguidas, percorre-se o Bosque de las Hayas e a 'pradera alpina', apreciam-se duas novas cascatas... deixando-nos envolver por um cenário que desencoraja a pressa.

Chegados ao fim, é o regresso. Desce-se mais. E ainda há quem caminhe em sentido contrário. "Olá!", cumprimenta. "Olaaaaa!". Os pés já moem, as pernas dão sinal de que o dia não é normal...

Mas, cheguei. Com uma alma nova! Com vontade de repetir a experiência. Valeu.

P.S. - Nem dei conta mas foram mais de 160 as fotografias tiradas durante o passeio. Colocarei algumas neste blog.

No Col d'Ausbisque

Augusto Semedo, 20.07.07
Estive ontem onde, na próxima 4ª feira, os ciclistas que correm o Tour terminarão mais uma violenta etapa. A inclinação da estrada de acesso ao Col d'Ausbisque chega a ser de 11%. Além da acentuada subida, são as curvas apertadas, o piso incerto e talvez o clima adverso que a sua capacidade de superação tentará ultrapassar.  
Mesmo com tamanhas dificuldades, são muitos os amantes do ciclismo - a maioria deles aparentando idades bem avançadas... e algumas mulheres - que trepam montanha acima. A cadência é lenta e os rostos evidenciam o sofrimento que a tarefa comporta. Todos eles impecavelmente equipados com as cores do pelotão internacional.
No 'col' há três bicicletas gigantes (lembando que as decisões do Tour também passam, e muito, por ali...), um parque de estacionamento, um bar/restaurante e lojas de artesanato. Ontem, o nevoeiro dos últimos quatro quilómetros da subida não permitiu que se concretizasse a prometida vista panorâmica sobre os pirinéus. 
Só mesmo o ciclismo para levar tantos turistas ao Col d'Ausbisque. A modalidade marcou gerações e ainda hoje tem muita gente que a vive com paixão... e a pratica. E o Tour é mesmo o Tour... O desporto pode ser realmente um óptimo meio de promoção de um lugar, de uma região ou de um país. (algumas fotografias neste blog)

Arte Xávega

Augusto Semedo, 08.07.07

Faltam os bois e o enorme esforço braçal a manejar os remos quando os pequenos barcos enfrentavam ondas gigantes e se faziam ao mar. Mas ainda recordo a infância e a adolescência sempre que, ano após ano, cumpria o habitual mês de férias na Praia de Mira.

Recordo especialmente os momentos de pânico das mulheres sempre que o tempo mudava repentinamente: com os homens no mar e as redes lançadas, o nevoeiro impedia que a terra se avistasse e fosse a referência para o regresso. Tocava o sino da modesta capela e lançavam-se foguetes. 

Por entre gritos lancinantes, a praia agitava-se e mantinha-se expectante. Os veraneantes comungavam da aflição que tomava conta de quem tinha o mar como sustento, enquanto não se vislumbrava o regresso dos pescadores e das suas embarcações por entre o denso nevoeiro. E o sentimento, de repente, mudava: as lágrimas eram agora por de novo poderem abraçar quem regressara de mais uma dura prova de vida.

A arte xávega subsiste, apesar das dificuldades. É um bom cartão de visita para turista ver e suscita a curiosidade dos miúdos. "Tanto trabalho para tão pouco", comentava uma veraneante ao ver o peixe que a rede trazia. É verdade: mesmo com os tractores em terra e com os motores no barco a tornarem mais facilitados alguns dos muitos afazeres, o trabalho continua duro e exigente e talvez pouco recompensador. Subsiste, particularmente nos mais velhos, o fascínio por um certo modo de vida a que alguns se habituaram e talvez já não prescindam.

Capitães de Abril

Augusto Semedo, 08.07.07

"... desaparecer na escuridão da História", dizia Gervásio, personagem criada propositadamente para o filme, interpretada por Joaquim de Almeida, a propósito de Salgueiro Maia. A obra "Capitães de Abril", de Maria de Medeiros, homenageia alguém que ficou esquecido até determinado momento, vinca a elevação cívica do deposto Marcelo, revela uma outra visão do surgimento de Spínola no Movimento, sugere a motivação que se seguiu à Revolução por parte de um dos seus grandes mentores - "se tivesse lido os livros certos", dizia - e acaba por ter um posicionamento crítico sobre a evolução da Democracia e da Liberdade, e a concretização de projectos e ideologias, numa sociedade hierquizada e de interesses.

Vira o filme em telas de cinema - três vezes pelo menos... - e no ecrã de televisão. Comprei-o agora em DVD. Não por acaso, recentemente, tive curiosidade de me aproximar do Regimento de Cavalaria de Santarém e, nesta cidade, de fazer o mesmo em relação ao monumento de homenagem a Maia.

Vendo o filme, relembro conversas de mais velhos que chegavam ao entendimento possível de um miúdo com 10 anos. Como aquele momento, sublime com a música de Zeca Afonso, de iminente confronto entre as tropas de um descontrolado Brigadeiro e de um corajoso Capitão.

Há, porém, uma verdade indesmentível que este filme acaba por transmitir: a História pode contar-se de muitas maneiras. E se uns podem desaparecer e ressuscitar, se outros podem ocupá-la de forma legítima ou forjada, nós devemos acreditar questionando.