"Falta ao Recreio uma melhor relação das pessoas com o clube" foi o título escolhido pelo jornal regional Litoral Centro para a entrevista que solicitou, concedida esta semana. Que aqui se reproduz. Embora aborde outros assuntos, com esta entrevista espero encerrar em definitivo as considerações sobre a época 2006/2007. Importa agora olhar em frente...
P - Que balanço se pode fazer de uma época que foi conturbada no Recreio de Águeda, se bem que só possa responder a partir de Janeiro?
R – A partir de Janeiro, como fala, o Águeda foi a sexta equipa mais pontuada da série, melhorou a sua eficácia ofensiva e defensiva e, pela primeira vez na época, registou um saldo positivo de golos. O que aconteceu a partir de Janeiro não envergonha ninguém. A recuperação aconteceu mas não foi suficiente. Era necessário um percurso sem falhas e isso dificilmente seria possível. Os jogadores, pelo seu esforço, mereciam como prémio a permanência.
P - O que falhou ao clube para se manter na 3ª divisão nacional?
R – Todos sabem. Perderam-se 10 dos 13 jogos disputados até Janeiro. Mas não me compete abordar esta matéria.
P - Como é possível num clube com o historial do Recreio de Águeda andar sempre num constante sobe e desce?
R- O clube vive hoje um paradoxo entre a actividade que gera e a imagem que tem no exterior. Desvaloriza-se o papel que ainda tem na sociedade aguedense e dá-se demasiada ênfase às questões polémicas e mais negativas. Isso não acontece com outros e daqui resulta o afastamento de muita gente que poderia dar um contributo decisivo. O clube mexe com muita gente, que o vive, cada um à sua maneira, mas falta um projecto mobilizador e que promova a coesão.
P - Afinal, o que falta ao clube para estabilizar de vez no futebol nacional?
R – No essencial, falta uma relação diferente, e uma melhor relação, das pessoas com o clube. E porque o clube é da comunidade, falta que esta se organize de forma a potenciar – e não a destruir ou a minar – o que de melhor tem para construir uma boa realidade colectiva.
P - Quando entrou para o comando técnico do Recreio de Águeda, como encontrou a equipa?
R- Os jogadores desconfiavam do seu valor e havia regras fundamentais num clube com as responsabilidades do Recreio que não estavam a ser cumpridas. É mais natural isso acontecer quando os resultados não aparecem. Depressa esse contexto foi invertido e o grupo passou a valorizar melhor o seu próprio trabalho.
P - O que se passou com a equipa, quando, a sete jornadas do fim, está em 10º, parece estar consistente e desce de divisão?
R – Se lhe respondesse iria parecer desculpa mas quem foi aos jogos viu o que se passou. A equipa continuou a corresponder como tinha feito nos jogos anteriores, exceptuando num deles. Houve ainda uma jornada de folga pelo meio que foi penalizante pelos resultados inesperados dos nossos adversários mais directos.
P - Para acabar com as especulações existentes, porque razão o Jason nunca foi opção para a equipa, sendo o terceiro guarda-redes?
R- Responder a especulações seria desrespeitar e desvalorizar quem não merece. A equipa está acima dos interesses individuais e as proezas e decepções são colectivas. Mas, ao contrário do que sugere a pergunta, todos os jogadores foram opção, por isso equacionados para serem utilizados em vários jogos.
P - Porque razão o Jason e o Quim abandonaram o clube ainda antes da época terminar?
R – Não há, da minha parte, nenhuma razão de queixa relativamente ao trabalho e empenhamento de todos os jogadores, a quem compete aguardar uma oportunidade para jogar. Por parte de todos, houve vontade e cumprimento das obrigações perante o clube, como se viu até ao último minuto do último jogo em Anadia. Esta atitude demonstrou a união do grupo nos quatro meses de trabalho conjunto, embora haja sempre quem deseje ter mais oportunidades para jogar. Quanto todos trabalham bem, todos se sentem titulares, o que é sinal de ambição e de motivação, mas às vezes também de ruptura.
P - Vai continuar no comando técnico do Recreio de Águeda?
R – Depende da vontade do clube. Depende da existência de uma direcção, do reforço do departamento de futebol e de um eventual convite, com a definição de objectivos, que me possam dirigir. Da minha parte, haverá sempre vontade de contribuir para a regeneração desportiva do clube mas não serei eu a oferecer-me.
P – Se aceitar, o que pretende fazer para o clube regressar aos nacionais?
R – O sucesso desportivo é algo que se consegue em grupo e nunca de forma individual. O que é necessário, em primeiro lugar, é haver uma identificação de propósitos para se poder trabalhar de forma colectiva.
P - Como avalia, actualmente, a formação no clube? Tem qualidade?
R – Continua a haver valores com enorme potencial. Dantes, talvez houvesse uma maior exigência e as regras perante o colectivo talvez fossem levadas mais a sério. As regras de grupo são fundamentais para a formação não só do atleta como do futuro cidadão activo. O clube pode efectivamente fazer mais mas, para isso, os meios logísticos e humanos deveriam ser reforçados.
P - Os juniores Marco e David são apostas de futuro no Recreio de Águeda? Há mais diamantes por lapidar na formação do clube?
R – Do meu ponto de vista, os atletas que interessam ao clube devem obedecer a um perfil que, além da sua qualidade futebolística, privilegie a sua identificação com o clube, a sua vontade e dedicação (gosto pelo que faz), e a sua relação com o grupo. O futuro dos dois atletas que referiu, e de muitos outros com potencial que o Recreio continua a ter, depende não só da sua capacidade futebolística mas também humana e de trabalho.
P - Recebeu no domingo o prémio “José Maria Pedroto” da Associação Nacional de Treinadores de Futebol. Acha que foi o reconhecimento de uma carreira que já leva mais de 20 anos?
R – Foi essencialmente uma honra ter sido reconhecido pela classe, que melhor sabe avaliar o nosso trabalho, e ter sido distinguido com um prémio que tem o nome de um treinador de referência do futebol português. Estes prémios são natural motivo de satisfação mas não me envaidecem.
P - A Câmara Municipal de Águeda aprovou, recentemente, um programa de apoio ao desporto, que visa a formação. Como sabemos que foi ouvido, como o avalia? Cumpre os requisitos para se obter uma formação com qualidade?
R – A preocupação com a formação é fundamental mas não há formação sem rendimento. As autarquias têm um papel importante na criação de infra-estruturas e de serviços comuns a todos os clubes. Mais importante que os programas de apoio é haver sensibilidade para o desporto federado, respeito pela história das instituições que representam o concelho e consciência do seu papel na sociedade local. É dar mais qualidade ao que vem de trás e não criar rupturas com o passado. É mostrar aos agentes desportivos que há sensibilidade para com o que fazem e vontade real em os ajudar, não em palavras mas nas acções do dia-a-dia.
P - As condições físicas que estão ao dispor do Recreio de Águeda permite uma formação como a que existia há 15 anos?
R – Há 15 e 20 anos, treinávamos em condições deploráveis. Mas as exigências, hoje, são outras: deve treinar-se mais vezes e com mais qualidade e há também mais equipas de formação. Por isso, é preciso mais espaço e também campos com qualidade e com piso relvado.
P - Dizia, no final da época, que havia gente em Águeda que queria levar o clube até onde merece estar. Porque razão essas pessoas não avançam?
R – Nós, que somos de Águeda, conhecemos muita gente com qualidade, que gostaria de desenvolver trabalho no clube. Terão certamente as suas razões para não avançarem. Como a minha área é desportiva, não sei quais serão.
P - Olhando para os clubes de Águeda, acha que a formação está a ser bem trabalhada? Fermentelos é um exemplo a seguir, na sua opinião?
R – A existência de muitas equipas não significa que haja melhor formação. De qualquer modo, verifica-se um esforço por parte dos clubes, faltarão, em muitos casos, os meios necessários. Principalmente humanos. E não falo somente de treinadores. Há um flagelo comum a todos os clubes, e não só no concelho: os pais, em muitos casos mas não em todos certamente, exigem demasiado dos filhos, muito cedo, e interferem demasiado na área do treinador. Estas gerações mais recentes querem tudo muito rápido, fruto da sociedade em que crescem, e os pais deveriam resfriar ímpetos e não estimulá-los.