A primeira entrevista depois do meu regresso ao futebol, concedida ao semanário Soberania do Povo, publicada em Janeiro de 2007. Algumas das respostas vou procurar aprofundar em futuros 'posts' neste blog.
P - O que o levou a aceitar treinar o Recreio numa altura em que o clube não se encontra bem?
R – Tentar contribuir para inverter uma realidade para a qual não contribui minimamente mas que não me deixa indiferente. Não custa tentar… sempre é melhor tentar do que ficar acomodado ou preso a justificações menores. Assumir é sempre melhor que fugir ou refugiar-se na indiferença, como infelizmente acontece muito hoje em dia.
P- Já esteve no Recreio durante 13 épocas como treinador, às quais se acrescentam mais um par de anos como jogador. Aceitou este convite pela forte ligação ao clube?
R – O apelo foi tão forte que o coração não resistiu e algumas razões ajudaram a superar outras que apontavam em sentido contrário.
P - Já tinha sido convidado para esse cargo no início da época, porque não aceitou na altura?
R - O convite no início da época surgiu apenas face às circunstâncias do momento e não como uma opção genuína.
P - Que objectivos traça para o Recreio numa altura em que falta um jogo para terminar a primeira volta?
R - A equipa tem pela frente um desafio difícil mas aliciante: o sucesso no trajecto competitivo que resta vai conduzir à afirmação dos seus componentes, invertendo a ideia errada que há actualmente acerca do seu valor. Partimos, porém, de uma realidade concreta que não é nada favorável: do penúltimo lugar, com 9 pontos em 39 possíveis, estando a sete pontos da primeira equipa situada acima das posições de despromoção. O essencial para se inverter este trajecto claramente negativo é trabalhar todos os dias com vontade em melhorar, acreditando no que se faz, reconquistando auto-estima e ultrapassando as dificuldades jogo a jogo. Concentrarmo-nos totalmente no presente é a melhor forma de termos êxito no futuro.
P - A manutenção é possível?
R - Sendo uma tarefa árdua, aparentemente complicada, enquanto acreditarmos será possível! As dificuldades colocam-nos à prova, estimulam a superação e desvendam qualidades que julgávamos não possuir. Não apenas as qualidades futebolísticas, que necessariamente vão melhorar, mas também as manifestações de vontade e as qualidades morais que são fundamentais para alicerçar o êxito. Mas, atenção, não serei eu a salvar o clube da descida. O êxito ou o fracasso depende do envolvimento efectivo de todos, equipa, direcção e associados.
P - Haverá alterações no plantel?
R – Primeira ideia: rentabilizar os jogadores que compõem o plantel, estimulando-os a abandonar o cinzentismo em que mergulharam. Segunda ideia: atenuar os desequilíbrios existentes. As constantes alterações verificadas no plantel não foram benéficas para a estabilidade do grupo e revelam ausência de critério.
P - Tem estado muito ligado às camadas de formação. A aposta passará também por aqui?
R – Não é de hoje, mas de há 25 anos, que sublinho a necessidade do modelo desportivo do clube apontar para a valorização da juventude local e da equipa principal espelhar o trabalho feito nas etapas de formação, na sequência de uma aposta séria nesta área. Esta seria uma forma do clube representar o município no exterior e, em simultâneo, contribuir para a afirmação dos valores existentes no seu interior. Aplicar este modelo no futuro seria, para mim, um verdadeiro objectivo de vida.
P - No seu entender o que esteve mal para que o Recreio esteja nesta posição, actualmente? Qual será a estratégia para corrigir essa posição?
R – O importante, neste momento, é encontrar soluções para recuperar o tempo perdido. Tal implica o envolvimento de todos os que não sejam indiferentes à actual posição que o clube ocupa no campeonato. Aos jogadores pedi que fizessem um exercício de reflexão para verem o que tinham de fazer a mais, e de diferente, e impus algumas regras essenciais. O grupo está a trabalhar com gosto e motivação. Todos os que gostam do clube devem fazer o mesmo e ajudar a equipa, com o seu apoio vibrante, no que resta da época, esquecendo divergências menores quando o que está em causa é algo muito mais importante e decisivo.
P - Disse no Verão a SPD que nem era oferecido, nem lambe botas. Este ano já recebeu convites para treinar o Recreio (no início da época), do Macinhatense e agora novamente do Recreio. O que o faz ser tão cobiçado?
R – Não me sinto tão cobiçado como diz. Em 22 épocas, 13 foram preenchidas no futebol de formação, num único clube e na Associação de Futebol de Aveiro. Das restantes 9, só em duas tive o privilégio de planear convenientemente, com a devida antecipação, as respectivas equipas, conseguindo as bases para excelentes épocas, uma das quais terminou com uma subida de divisão. É muito pouco para o que gostaria de fazer.
P - Não guarda ressentimentos da forma como foi afastado do comando técnico do Recreio em 2003/2004?
R – Há experiências de vida que nunca se esquecem. Essa que refere, como outras menos conhecidas do público, ajuda a entender a realidade que nos envolve.
P - Já assumiu o comando técnico do Recreio em 2000 e 2003, em dois períodos difíceis para o clube. Agora volta novamente numa fase negativa. Não sente que a sua imagem poderá ficar associada ao treinador de recurso que apenas se convida quando o clube está em crise?
R – Esta minha decisão não teve nem tem em conta a imagem. Perante um desafio há duas alternativas possíveis: ou se vai à luta, ou se foge. Eu preferi ir à luta, procurando ajudar a resolver um problema que não criei mas que, como disse atrás, não me deixa indiferente. Para mim, é preferível assumir e fazer parte da solução do que nada fazer para evitar a agudização do problema.
P - Assinou por uma época e meia para prolongar o trabalho que pretende iniciar este ano?
R – Estarei no Recreio enquanto me sentir motivado e até entenderem que sou útil.
P - Qual é o lugar do Recreio no futebol nacional? O que falta para atingir esse objectivo?
R – Sintetizando, digo-lhe que o Recreio é a face mais visível do que é Águeda e da realidade concelhia. Fundamentalmente, precisa de três factores para se reabilitar: estabilidade directiva para adoptar um modelo de clube e um modelo desportivo em continuidade; valorizar e apoiar claramente quem faz e constrói, possibilitando o reforço claro da sua identidade; que a comunidade valorize o muito de positivo que a imensa actividade gerada traz a Águeda, superando a maledicência que persegue o Recreio há muitos anos.