Cultura da irresponsabilidade
1 - "Abriu a época de fogos!" Assim, sem mais nem menos, um conhecido jornalista da RTP, que até se dá ao luxo de piscar o olho aos telespec-tadores no final dos serviços noticiosos que apresenta, dava início ao Telejornal. Anunciava, com ênfase desmedida, a abertura oficial da época de incêndios. Antecipava, compreendeu-se depois, a transmissão de um Jornal da Tarde especial, no dia seguinte, directamente de Santa Comba Dão. Uma emissão que dava conta das novidades governamentais em matéria de combate aos fogos florestais. Ao jeito: venham esses pirómanos que agora nós estamos preparados!
Sucedeu isto numa estação pública de televisão de um país de risco: devido às condições climatéricas e, confere um estudo recente, ao comportamento dos portugueses. Estudo segundo o qual dois terços dos incêndios florestais que ocorreram o ano passado em Portugal deveram-se à acção humana e poderiam ter sido evitados; isto é, foram provocados intencionalmente ou por mero descuido. Apesar dos avisos e da publicidade inconsequente que ano após ano são profusamente difundidos.
A gravidade deste flagelo - pelas repercussões económicas e ambientais que provoca mas também pela preocupante onda de piromania que está na sua origem - devia merecer um tratamento mais responsável. Não só por parte da Comunicação Social mas fundamentalmente da classe política, que tem aqui uma bela ocasião para demonstrar que consegue colocar as necessidades do país acima das tricas; que consegue agir para o bem comum em vez de querer propaganda ou de se ficar apenas pelas críticas.
Enquanto isso, a floresta vai ardendo, naquela que é uma das enormes vergonhas nacionais. Uma vergonha que merece mais do que a adopção de medidas isoladas e que carece do empenhamento efectivo de todos para que evite atingir as actuais proporções alarmantes.
Questiona-se porém se, neste país, algumas realidades públicas podem continuar a alimentar o seu aparente sucesso sem a necessidade de apelarem à mediocridade.
2 - Num dos dias quentes do mês de Agosto que agora termina, na mesma RTP, uma repórter questionava (e bem) os banhistas que acabavam de mergulhar nas águas poluídas de uma praia do Grande Porto. As placas de interdição não os inibiam, como se tudo estivesse como dantes; e todos, dos mais jovens a idosos, homens e mulheres, justificavam-se com a ligeireza a que nos acostumámos. Com as habituais desculpas esfarrapadas...
Se acaso as autoridades não tivessem avisado da interdição, aqueles cidadãos adoptariam idêntica atitude ou antes, como também é frequente, convocariam as TV’s para surgirem indignadas nos três minutos de ‘estrelato’? Ou estariam a recorrer ao tribunal tentando eventuais indemnizações por danos causados à sua saúde?