– Urinar na rua dá direito a multa na Alemanha, como de resto outras atitudes hostis ao meio ambiente. Contudo, o cheiro a urina sente-se em vários pontos da cidade de Colónia, inclusivamente junto à Catedral, o que prova que mesmo num país genuinamente meticuloso a perfeição não existe.
– Mais do que um jogo verdadeiramente apreciado nas suas diversas componentes, o futebol é hoje um meio de diversão, que ultrapassa a beleza do próprio jogo. É um produto apetecível ao mercado publicitário e, por isso, aproveitado pela televisão – a partir da qual o comportamento colectivo é influenciado. Os excessos originados por esta cadeia afectam mais quem não entende tanto os fundamentos do jogo, do que aqueles que o apreciam verdadeiramente.
– Como foram cordiais os iranianos, sobretudo emigrantes, com quem nos cruzámos em Frankfurt após a sua eliminação do Mundial. Desportivamente, os sentimentos eram opostos, pois nós tínhamos garantido o apuramento para os oitavos de final. As expectativas alimentadas de que teriam uma formação capaz de se bater de igual com Portugal e México saíram completamente defraudadas. Mas, o que mais feriu a nossa sensibilidade é como um povo pode ser confundido com o extremismo de alguns, principalmente de líderes manipuladores ou opressores, levando por exemplo a que quatro jovens israelitas, munidos da sua bandeira e de adereços de Portugal (sentados ao nosso lado), se associassem à ‘Portuguesa’ e vibrassem com os golos de Deco e Cristiano Ronaldo. Queriam saber quem eram os ‘artistas’ e questionaram-nos sobre o significado da nossa bandeira e da letra do nosso hino. Mais do que adeptos incondicionais do futebol de Portugal desejavam a derrota de uma selecção vítima das ideias de um líder político.
– No dia seguinte ao nosso jogo com Angola passeava tranquilamente em redor da notável Catedral (visitada por 6,5 milhões de pessoas por ano, o monumento mais visto na Alemanha). Incógnito e sem segurança. Ninguém deu conta de que estava ali o primeiro-ministro de Portugal, o que, bem vistas as coisas, até é melhor. Se tal fosse possível por cá, teria provavelmente a oportunidade de observar a situação nua e crua do país que governa, sem ‘operações plásticas’ de quem se esforça por apresentar uma boa imagem quando recebe um chefe de Estado.
– Apesar dos focos de pobreza no país, muitos mexicanos vestem-se a rigor e vêm do outro lado do Atlântico sem bilhete, a exemplo aliás do que acontece com ingleses, suecos e outros povos europeus mais abastados. Queriam assistir ao jogo com Portugal, o terceiro e último da fase de grupos, nem que para isso recorressem a intermediários (alguns dos quais, mesmo não sendo portugueses, terão estado já no Euro’04) e pagassem mais de 750 euros por ingresso. Imagine-se, agora, quanto valeria um bilhetinho para um jogo da Inglaterra ou Brasil, quando se sabe que a maioria dos que permanecem na Alemanha fica do lado de fora do estádio…
– É hoje uma selecção respeitada, e com adeptos, em todo o mundo. Há camisolas de jogadores como Figo e Cristiano Ronaldo vestidas por miúdos alemães, muitos dos quais passeavam nas ruas ou iam aos estádios na companhia de pais que eram fieis à camisola do seu país. Contudo, o que mais impressionou foi a quantidade de cidadãos asiáticos, principalmente jovens mas não só, que se misturam com os portugueses, que se equipam com as cores nacionais e que vibram com os feitos da nossa selecção. Mesmo não entendendo a língua de Camões. Vimo-los nas ruas mas também nas bancadas de todos os jogos da nossa selecção.
– Muito do apoio notável que a selecção tem tido deve-se, uma vez mais, aos emigrantes. Vêm de todo o lado, em carro próprio ou em autocarro. No dia do primeiro jogo, em Colónia, um grupo proveniente do sul da Alemanha, promoveu a festa pelas ruas do centro da cidade. Os bombos chamaram a atenção de muitos portugueses, que participaram, e dos estrangeiros, que presenciaram. Entraram no stand de promoção turística do nosso país (foi impossível, a partir daí, não reparar que aquilo se encontrava ali), cantou-se o hino, e depois na estação de comboios. Afinal, para quem trabalha seriamente num país austero, aqueles eram momentos únicos: a oportunidade de ‘reinar a toda a força’ num país muito formal.
– As autoridades alemãs pediram que os seus cidadãos acolhessem com simpatia quem os visitava durante a competição, dando uma imagem diferente. É verdade que o ambiente mudou (disseram-nos que pouco antes do início nem parecia que iria haver o Mundial) mas há coisas que não mudam (apesar das excepções, que as houve, e dos esforços de alguns). Diferenças notórias entre os mais velhos e os mais novos (mais acessíveis, até porque só os últimos se expressam também em inglês) mas, como em Portugal, a diferença de posturas dilui-se no momento de comemorar as vitórias da sua selecção. Aí, a histeria invade o coração germânico.
– O nível da arbitragem. Erros técnicos decisivos e, fundamentalmente, um critério disciplinar ‘à portuguesa’: muitos cartões em faltas menores e ausência de coragem para castigar a violência sobre os ‘artistas’. No jogo de Portugal contra a Holanda, preferia-se a amostragem de menos cartões (quase um por cada falta) e mais severidade para entradas como a que vitimou Cristiano Ronaldo. Depois do desastre de 2002, é tempo da FIFA se debruçar seriamente sobre a arbitragem.
– Quem fala de que a paixão pelo futebol é um quase exclusivo dos portugueses não viu a incrível quantidade de suecos e de ingleses que ‘invadiram’ Colónia no início da segunda semana da competição, vibrando dentro e fora do campo com as incidências do jogo. Os primeiros mais comedidos; os segundos exuberantes e prejudicados pelos excessos de alguns. Mas todos com um ponto em comum: compram muito, comem muito e bebem ainda mais. Apesar da imensa polícia presente, é impossível não haver problemas originados por uma minoria. É, afinal, a constatação de que as sociedades tidas como mais organizadas e ‘evoluídas’ são confrontadas com problemas que as próprias não são capazes de solucionar. Um dos exemplos máximos está ‘em casa’ deste Mundial, com a ameaça do neonazismo (realidade que contrasta claramente com a segurança sentida nas ruas, mesmo nas que não eram aparentemente policiadas).