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d'aquém e d'além

COISAS E COISINHAS DO NOSSO MUNDO augusto semedo

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COISAS E COISINHAS DO NOSSO MUNDO augusto semedo

Há um tempo para tudo

Augusto Semedo, 28.04.13

Reflicto agora sobre a singularidade de uma conversa com um dos meus atletas jovem: como tão raras vezes, na voracidade dos dias, existe oportunidade para diálogos tranquilos sobre temas que tomam a nossa existência. Muitas vezes fiquei agradado com o seu comportamento desportivo e social perante o grupo que integra; como já aconteceu precisamente o contrário, tantas outras vezes.
No fundo, a inconstância, a irreverência e o desprendimento, que já nos caracterizavam também quando tínhamos a sua idade, contrastam com a maturação entretanto encontrada através da instrução que a vida adulta, com momentos marcadamente vivenciados, nos transmitiu. Éramos então jovens igualmente ingénuos e inseguros, simultaneamente de mente fresca e com certezas absolutas aparentes, investidos de uma vontade em mudar o mundo e de uma energia que acreditávamos nunca se esgotar, tal como acontece com os de hoje. Olhando-os, vemos duas diferenças apenas, embora significativas, que traduzem um tempo novo para uma geração com desafios perigosamente escondidos: crescíamos então num contexto mais modesto e comunitário, que apelava à responsabilidade individual perante os outros e a uma interacção potenciadora de partilha e de respeito mútuo; e não tínhamos pais que faziam dos filhos seres únicos e os mais especiais do universo mas alguém que integrava uma comunidade com os mesmos direitos e deveres dos outros.
É engraçado como as experiências nos fazem mais maduros mas também nos ensinam a relativizar e até a lançar dúvidas sobre tantas certezas absolutas que em tempos nos mobilizaram, sendo mesmo a matriz para decisões (criteriosas ou estúpidas) nucleares na nossa vida. Afinal, o mundo até mudou mas fomos nós quem a ele se obrigou a adaptar; e a energia vai-se esgotando, tanto mais rápido quanto nos deixarmos abater pelos dissabores.
Há um tempo para tudo, de facto. E compreende-lo é importante, embora haja comportamentos capazes de penalizarem realidades colectivas. Devemos ser tolerantes, fazendo compreender a necessidade de mudança; ou intransigentes, agindo condicionados pela necessidade de obtenção do resultado final? Nesta sociedade, será que quem compreende os outros dificilmente será considerado e conquistará sucesso? Aqueles que se compreendem a si próprios, condicionando a realidade envolvente às suas estratégias pessoais, estarão por essa forma mais próximos dos seus objectivos?

Deslizou... foi embora sem se acusar!

Augusto Semedo, 24.04.13

Esta tarde, alguém calculou mal a manobra e deslizou na traseira do para-choques do carro. Não se acusou, nem com um bilhete que podia deixar junto ao carro, devidamente estacionado. Certamente, quem assim procedeu acobardando-se, escondendo a sua azelhice e fugindo às elementares responsabilidades de cidadania, estará agora algures a insinuar superioridade moral e a tecer acostumadas críticas a ...outros. Quem o escuta julgar-se-á perante alguém impoluto, socialmente responsável, exemplar cidadão.
Quem se insinua alcança. Julga os outros mas não o faz consigo. Exige aos outros mas esquece-se que antes deve exigir-se a si próprio. Cansado ando eu de os ver! Aproveitam-se e nada dão em troca. Fazem-se amigos mas fogem ao primeiro desafio. Lisonjeiam servilmente com descaro. Encavalitam-se como podem, saltitando sagazmente mas nada retendo para lá do seu ego infinito...
A eloquência e aparência de tantos, seja ela moral e ética, seja no domínio privado ou público, faria supor uma sociedade mais sã, próspera, com manifestações de cidadania capazes de transmitirem conforto e segurança, confiança e optimismo. Se as sociedades se fazem com as pessoas, será sempre o seu comportamento a determinar a matriz social dominante.
Quem está mal é sempre o vizinho. Somos desconfiados e pessimistas. Vivemos em desconforto permanente. Duvidando de regras e das hierarquias. Derrotando à partida e invejando em permanência. Sem visão de conjunto, sem critério, sem horizontes... Eu por mim, tudo e todos em função do meu eu - assim parece ser a regra!

QUE RUMO?

Augusto Semedo, 07.01.09

Na comemoração do centenário da inauguração da Linha do Vale do Vouga faz todo o sentido questionar o abandono a que esta tem estado sujeita; já depois de se ter cometido o erro, irreparável, de suprimir o troço entre Viseu e Sernada do Vouga.

Outros teriam feito talvez o aproveitamento turístico se as estratégias não andassem sempre desfasadas do tempo e se não fossem marcadas pela visão egoísta dos grandes centros. Visão essa limitadora se se atender à virtualidade verdadeiramente distintiva que Portugal tem para oferecer face à concorrência de outros países com maior peso turístico: a diversidade em tão curto espaço geográfico.
No ano em que foram revelados números que confirmam o aumento de passageiros na linha, importa questionar: se o aumento é uma realidade com as condições oferecidas, caso houvesse investimento marcante (tendo em vista o conforto dos passageiros, horários mais ajustados e diversificados e menores custos de exploração) até onde poderia ir a reaproximação dos cidadãos desta região com o comboio?
De acordo com o estudo de viabilidade do metro de superfície, encomendado na primeira metade dos anos 90 pelas câmaras de Aveiro e Águeda, a extensão da linha pelo centro urbano da capital de distrito e por Ílhavo, até às praias, representava uma certeza para os resultados de exploração e uma mais-valia evidente para a mobilidade dos cidadãos de uma comunidade que envolve directamente 150 mil pessoas.
Ao invés, o que se verifica hoje, é que o maior investimento público concretizado na Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro – a ligação ferroviária ao Porto de Aveiro - não servirá passageiros, apenas mercadorias. Haverá certamente razões técnicas para tal, ou então continuamos a dar-nos ao luxo de não potenciar infra-estruturas pensadas e executadas recentemente.
Para cúmulo, face ao eixo Águeda – Aveiro – Ílhavo (praias), muito utilizado especialmente durante o Verão, verifica-se total descoordenação entre comboio e autocarro, sem informação afixada e sem paragem certa junto à estação de Aveiro, num total desrespeito pelos cidadãos que procuram utilizar os dois meios de transporte.
Exige-se uma atitude diferente das instituições e das empresas para com os cidadãos que utilizam os transportes públicos, neste país de auto-estradas tendencialmente com custos para o utilizador e incapaz de oferecer alternativas válidas e verdadeiramente úteis aos tempos modernos. Ao Estado e a todas as instituições públicas competentes exige-se a criação de condições para que nenhum cidadão se sinta excluído e possa verdadeiramente optar pelo meio de transporte que mais lhe convenha.

Negócio do penico em Bruxelas

Augusto Semedo, 16.12.08

Fui já a alguns Mc Donald's mas ainda em nenhum tinha tido o grato privilégio de pagar uma ida ao WC. Aconteceu agora em Bruxelas, capital belga e do chocolate, cidade do Atomium, da Grand Place e do menino que é visto por milhares a urinar. Há (haverá) uma lenda e a romaria de turistas contempla aquele pequeno boneco com a pilinha à mostra e verter água em permanência.

Montar o negócio do penico parece dar resultado. A longa fila naquela estreita escada rumo ao WC confirma o elevado número de cidadãos desejosos de se aliviarem. Chegados ao piso inferior, pagarão 30 cêntimos de euro e entrarão em casas de banho normalíssimas, bem melhores que outras certamente encerradas se tivessem sido alvo de uma qualquer inspecção por parte da ASAE.

De resto, as promoções do restaurante estão praticamente ao mesmo preço, o que leva a considerar a hipótese do negócio do penico poder ter sucesso naquela movimentada capital da União Europeia. Até porque o chocolate que nos entra pelos olhos e o frio que o corpo suporta com dificuldade podem causar apertos inoportunos... 

 

NOTA: Querem uma fotografia do Natal em Bruxelas? daquem-e-dalem.blogspot.com

Região de Águeda, 10 anos: O caminho que Águeda procura no novo Mundo da tecnologia

Augusto Semedo, 10.11.08

 

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Quando, há 10 anos, fizemos questão de incluir o endereço de correio electrónico junto aos contactos do jornal, era dado um cunho de modernidade ao projecto que nascia. Apesar de, na altura, não se saber ainda muito bem para que iria servir e que resultados teria. O telefax, novidade surgida menos de 10 anos antes, era então o principal meio de comunicação para proceder ao envio de informação escrita; o telemóvel ameaçava concorrer com o telefone fixo e a Internet era algo inacessível (e ainda mal compreendida) pela maioria.
Não faz muitos anos que os jornalistas do Região de Águeda se esforçavam por justificar a vantagem de usar correio electrónico a um vereador, tornando mais fácil a comunicação entre a autarquia e o jornal. Hoje, nem meia dúzia de anos depois, tal facto poderá parecer ridículo; mas só a quem não tem dado conta da rapidez a que se dão estas transformações.
Na verdade, o correio electrónico não originava mais que duas ou três mensagens diárias, sendo hoje absolutamente imprescindível (são recebidas às centenas, todos os dias!); como o uso do telemóvel, que há 10 anos alguns se recusariam a utilizar, se apresenta agora como inevitável no relacionamento interpessoal e profissional.
As novas tecnologias mudaram definitivamente a forma de comunicar – é mais fácil, mais prático e está ao alcance de quase todos -, transformando também o nosso quotidiano. Tornaram-no mais veloz e frenético, dinâmico e também mais exigente. Os jornais são exemplo eloquente: têm acesso a mais conteúdos, diversificados, a qualquer hora e até ao limite.
A Internet facilitou o acesso à informação e alterou a vida em comunidade, como antes acontecera com a televisão. Os sítios, os blogues e as comunidades virtuais impõem uma realidade muito diferente da que tínhamos em 1998. A adaptação exige evolução. É assim também com os órgãos de informação tradicionais, que deixaram de ser a voz única na relação com os cidadãos mas a quem, perante o “mercado de ideias” que prolifera, continua a caber a missão de fazer jornalismo com justiça e equilíbrio.
 
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Se as novas tecnologias mudaram totalmente os nossos hábitos, há porém realidades que parecem imutáveis. A Pateira e o aproveitamento hídrico dos cursos de água, o metro de superfície e a criação de uma rede de transportes públicos, as ligações de Águeda à auto-estrada e aos principais centros urbanos, o reforço intermunicipal de Aveiro e a efectiva ruptura com práticas egocêntricas do passado… são apenas alguns exemplos.
Percorrer a Linha do Vouga numa qualquer composição é ter a ideia de que o preconizado desenvolvimento anda a velocidades diferentes. Que há um mundo fixado na globalização e outro que vive apenas para sobreviver. Que há gente perdida em luxos e mordomias e outra perigosamente condenada à exclusão.
A Linha do Vouga é o testemunho ainda vivo de que há comunidades sujeitas à estagnação. Como aquela à beira Douro: os habitantes, nas deslocações para a consulta médica, pagam mais ao taxista que os transporta da aldeia até à estação mais próxima do que pelo bilhete de comboio desta até à cidade. Apenas porque alguém, no conforto do seu gabinete e baseado em números, decidiu que o comboio não mais efectuava paragem no apeadeiro daquela terra.
 
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Saber que Águeda tem recursos para poder apostar em energias alternativas é recuar ao tempo da elaboração do PDM – que era e é muito mais do que saber se neste ou naquele terreno se pode construir ou não – e ter a consciência de que o concelho podia ter sido o pioneiro no aproveitamento da água, do vento e dos resíduos florestais. Nem o foi, nem tão pouco soube recuperar ainda algum do tempo desperdiçado. Sobram as discussões estéreis e inúteis…
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Lutar por ligações condignas aos grandes centros urbanos não significa aceitar que nos venham dar um presente envenenado – uma auto-estrada com portagens – quando o que se desejava seria a construção de uma variante segura, assegurando a fluidez de trânsito e o acesso gratuito a todos os cidadãos. Muito menos é ter de aceitar que convertam numa via portajada uma obra concluída já este século, com o objectivo (de décadas) de retirar o trânsito do centro de Águeda. Tal decisão – de transformar a variante de Águeda numa auto-estrada com portagens - conduzirá inevitavelmente a um regresso ao passado, com aumento de tráfego nas vias urbanas da cidade. O futuro não pode nem deve ser construído a qualquer custo e há exemplos de sobra que o atesta: as obras desproporcionadas construídas nos anos dourados, com custos altíssimos e de duvidoso benefício para as populações!
 
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Águeda procura ainda um caminho para recuperar pelo menos algum do espaço que foi perdendo desde que a adesão à Comunidade Europeia abriu Portugal a outros mercados; e adaptar-se, a exemplo de outras comunidades, a um contexto que facilita a concentração do poder económico.
A capacidade empreendedora que se lhe reconhecia está bem expressa hoje num conjunto de empresas de referência, implantadas em vários sectores de actividade. Mas também nas respostas sociais, que tem sido capaz de reforçar através das instituições locais, e ainda no espírito associativo, que mantém em actividade práticas diversificadas e complementares. Umas em decadência, outras porém em crescendo – o que é normal acontecer. Mais difícil é criar um espírito unificador, capaz de fortalecer trabalhos válidos que surgem isoladamente, e aproveitar os bons exemplos para dar corpo e vida a Águeda.
A evolução da Escola Superior de Tecnologia e Gestão indiciaria vantagens se Águeda fosse suficientemente atractiva para captar talentos. Porém, o futuro depende de uma visão estratégica que deve ser consolidada com o contributo efectivo das várias forças vivas e não tanto por imposição desta pessoa ou daquele partido. Pelo contrário, perigoso é o que se tem assistido: à demissão cívica dos cidadãos na abordagem a causas colectivas e ao apagamento progressivo dos partidos políticos, submergidos em arquitecturas de persuasão que fraccionam.

Novas auto-estradas: Águeda e as populações ficam a ganhar?

Augusto Semedo, 29.10.08

Anda por aí grande alvoroço com o estudo prévio da nova auto-estrada, que substituirá o actual IC2.

Queríamos todos, e justificadamente, uma ligação menos penosa a Coimbra e à A1 quando nos dão uma nova auto-estrada. A bem feitoria seria bem recebida se não houvesse lugar ao pagamento de portagens.

Afinal de contas, uma variante ao actual IC2 - sem entradas particulares nem cruzamentos, sem semáforos nem rotundas, e sem limites de velocidade, em alguns casos ridículos - seria suficiente. Mas o Estado vai dar-nos três auto-estradas praticamente paralelas, embora com custos para o utilizador.

É caso para perguntar, porque é legítimo fazê-lo: Águeda e as populações vão ficar a ganhar?

Águeda vai deixar de ter variante, aquela que reclamou há décadas e que viu ser satisfeita já neste século. Por essa Europa fora, o trânsito foi desviado do centro urbano das cidades com a construção de variantes; mas, pelos vistos, vai haver uma inversão completa e o ilógico irá prevalecer. A menos que o troço próximo da cidade fique isento do pagamento de portagens (o que acontece, por exemplo, com a A8 nas Caldas da Raínha e em Óbidos). Caso não aconteça, quem não quiser, ou não puder, pagar portagens passará a transitar de novo pelo centro urbano de Águeda. Será isto evolução? Será Águeda, de facto, beneficada pela nova auto-estrada? Afinal, queríamos tão só uma ligação mais rápida, liberta de estrangulamentos, em direcção a Coimbra!

Mais a Norte, a situação de Mourisca do Vouga parece ser ainda mais preocupante: se a nova auto-estrada for portajada e caso seja duplicado o actual IC2 por onde passará o trânsito que não circular pela nova via? Pelo centro da Mourisca? Por aquela estrada que já hoje não tem largura suficiente para o volume de tráfego que por ali circula? Será que resulta em benefício da população local? Ou, por outro lado, serão salvaguardados corredores alternativos, contra o interesse da empresa que irá explorar a auto-estrada? E quem os pagará? O Estado ou as autarquias locais?

Há questões que deveriam ser respondidas quanto antes e preocupações que deveriam ser assumidas pelos cidadãos - que serão, no futuro, as principais vítimas de uma política que irá contribuir para a exclusão de grande parte da população. Num país - tenha-se isso em conta - onde muitos vivem no limiar da pobreza e que não tem um serviço público de transportes eficaz que sirva de alternativa.

Já agora: Partindo do princípio de que os nós de uma auto-estrada não podem ficar próximos uns dos outros, onde irá a população local aceder ao novo IC2?

Verdades e mentiras

Augusto Semedo, 22.10.08

O PIDDAC é um instrumento de verdade ou de mentira? Reflectirá as intenções de investimento do Estado ou não? A confusão está de novo instalada nesta comunidade guerrilheira, disposta a dirimir argumentos em favor das conveniências político-partidárias.

A verdade do PIDDAC é que não há dinheiro para a ambição de fazer obra. Outra verdade é que quando houve, as prioridades terão sido tantas que algumas foram ignoradas em favor das comunidades mais expeditas.
A mentira do PIDDAC é que os políticos vão dizendo que sim a tudo, vão alimentando as ambições das comunidades com promessas de obra futura, que na maioria das vezes se fica pelas intenções. Daí que haja prioridades de décadas: crescemos e vivemos com elas sem que algum dia sejam realizadas.
A verdade é que todos se sentem felizes com obras. Megalómanas ou não, prioritárias ou não. É preciso fazer obras, inaugurar obras… nem que a seguir não se saiba como mantê-las, se assista à sua degradação acelerada.
A mentira é que há obras que não se convertem em mais-valias evidentes. Veja-se, para se falar num caso nacional, o exemplo das SCUT. Sem dinheiro para as construir, o Estado fez parcerias público-privadas e agora não tem dinheiro para as manter. No futuro, as variantes reclamadas por localidades massacradas pelo trânsito passarão a ser auto-estradas com custos para o utilizador; e as antigas estradas nacionais estarão convertidas em vias onde será insuportável transitar.
A verdade é que a mentira entra nos bolsos de cidadãos que ganham mal e passarão a pagar as estradas mais caras da Europa. A verdade é que gostaria, como aguedense, de ter bons acessos aos principais centros urbanos; a mentira é que me estão a impor um futuro oneroso, inacessível a todos aqueles que não conseguirem acompanhar o ritmo do TGV e que se sentirão excluídos num país cada vez mais desigual – que ainda circula, e circulará para todo o sempre, em automotoras rudimentares e em carris mal conservados.     
A verdade é que os políticos passam a vida a vender-nos ilusões, com promessa de obra nova para a qual não há dinheiro; e a verdade é que o povo gosta de viver na ilusão e rejeita a maçada de ter uma postura de reflexão sobre a realidade que o envolve. O resultado desta verdade é que o povo tem os representantes que merece mas será a vítima maior!

Desgostos anunciados

Augusto Semedo, 16.10.08

Não esteve à altura a selecção de futebol contra a Albânia. Portugal apresentou uma equipa jovem, pouco articulada, formada por ex-sub21 que de há três/quatro anos para cá formaram um grupo prometedor, com enormes potencialidades individuais mas com pecados colectivos. Por isso, foram incapazes de ganhar a adversários de topo.

Os suecos, na análise objectiva que fizeram à exibição portuguesa no jogo recente contra a sua selecção, escreveram que os nossos jogadores jogam de cabeça baixa e para si próprios.

Tenho para mim - sem que pretenda discutir méritos futebolísticos e atributos pessoais (indispensáveis para potenciar aqueles...) - que o grupo de jogadores chamados contra a Albânia carece ainda de se afirmar para corresponder entre a elite. Ao contrário do que sugere a intensa e despropositada abordagem pública diária, que promove a imagem e méritos que ainda não possuem, induzindo em erro um país 'futeboleiro' e não de futebol.

Veja-se, a título de exemplo, a narração e os comentários da cadeia de televisão que transmitiu o jogo. Mais deplorável que a qualidade da exibição portuguesa! Portaram-se, simplesmente, como um qualquer espectador de bancada, que por não ter microfone à frente, e sem audiência, tende a utilizar expressões inapropriadas; ou por não ter um entendimento profundo do jogo, é incapaz de interpretar algumas das incidências do mesmo.

Não está em causa a crítica - que é uma das funções da dupla da TVI. A crítica, porém, deve ser alicerçada numa profundidade de análise que habitualmente não existe, por falta de conhecimento e de vivências ou por conveniências mais ou menos perceptíveis. Não deve ser exercida com leviandade, sustentada em subjectividades ou motivada por simples estados de alma. Deve ser equilibrada e exercida com pedagogia. 

Se é exigido que treinador e jogadores não percam a cabeça em todo e qualquer momento, do mesmo modo aos comentadores exige-se que se prepararem melhor (a probabilidade de erro a comentar o que se observa é bem menor que as decisões que se tomam em campo) e sejam objectivos nas apreciações feitas. Porque todos são profissionais!

Um exemplo: quando Hugo Almeida surgiu ao segundo poste, a cabecear sozinho para defesa do guarda-redes albanês, um dos comentadores afirmou não compreender o porquê do avançado se ter deslocado para a esquerda e que o seu lugar deveria ser na área. O que ele não compreendeu (não é tão grave que não saiba, inaceitável é que não o reconheça, limitando-se a narrar o que vê...) foi que o avançado apareceu sem oposição nesse lance - e só nesse em todo o jogo - porque ao mudar a sua zona de acção habitual baralhou as marcações naquela segura e autoritária defesa da Albânia.

Objectivamente, Portugal não jogou bem. Terá havido erros de leitura, desinspiração, falta de criatividade (tão cara aos portugueses) e dinâmica colectiva para ultrapassar um grupo coeso. Terá havido uma selecção nervosa e desconfiada de si própria (quase sempre...), com menos atitude competitiva que era exigida (algumas vezes e/ou em alguns jogadores) e com ausência de uma voz de comando em campo (o chamado líder, que não é Ronaldo) que explica confusão posicional em alguns momentos.

Que se analise objectivamente... se a competência der para isso. Mas que não se ofenda, não se incendeie, não se contribua para o estado pantanoso que - sem que se dê conta devida - está a tornar periclitante o futebol português.

Julga-se que este país tem a melhor selecção mas não é verdade; induz-se que temos os melhores jogadores quando em algumas posições há dificuldades em encontrar alguém que cumpra os requesitos mínimos para uma equipa de topo... Cultiva-se a personalidade, mascarada tantas vezes pelo marketing, enganando gente que nunca se habituou a reflectir sobre o mundo que a rodeia e até julga que Portugal joga sozinho!

Confunde-se o que é técnica relevante para a competição, aquela que conta para defender e para atacar com eficácia. Já agora, quantos cruzamentos fazem os jogadores portugueses bem dirigido a um colega que está na área? E, em circustâncias idênticas, quantos certeiros conseguem ingleses e alemães, os toscos dinamarqueses ou suecos que até marcam presença assídua em fases finais?

Quantas oportunidades de golo precisam de ter os jogadores portugueses para finalizar com êxito? E os outros? Precisarão as selecções daqueles países de tanto tempo de posse da bola, de pressionar tanto, de circular a bola e de promover situações de envolvimento colectivo para criarem situações de finalização e - uma vez criadas - terem o êxito supremo de finalizar?

O campeonato português é hoje, basicamente, uma corrida a três. É uma das provas europeias onde se recorre mais à falta em momentos defensivos. É essa a técnica para defender bem? 

Os jogos entre candidatos ao título são apresentados publicamente a puxar ao dramatismo (o futebol é vida ou é morte?) e a actuação das equipas parte do objectivo primordial de não deixar jogar o adversário (onde está a festa, o prazer, a afirmação pela positiva?).

Há mais momentos de conflito que de qualidade de jogo; evidenciam-se erros de arbitragem e alimentam-se, posteriormente, aparentes más decisões dos treinadores perdedores. Fomenta-se a guerrilha verbal e o descontentamento em jogadores mimados e egocêntricos, que agem tantas vezes influenciados pelo interesse de empresários, fragilizando-se sempre a autoridade do treinador - a inevitável "besta negra" do sistema.

No campeonato do "antes um ponto que a derrota", o treinador não tem estabilidade para desenvolver trabalho de qualidade e em profundidade. A sua continuidade é ditada pelo resultado de cada jogo e a avaliação da sua competência é exercida arbitrariamente, ao sabor de emoções e de motivações, nem sempre claras. Neste contexto, não há espaço para os jovens jogadores, que cada vez menos têm oportunidade de se afirmar. Afinal, o erro não se tolera e também é preciso errar para crescer!

O jogador é feito vedeta precocemente. Cresceu numa lógica que não discute o jogo, as suas virtudes, a sua essência... Numa lógica que apenas potencia o acessório (arbitragens e polémicas estéreis) e a (sua!) imagem. Embora o jogo seja colectivo e o êxito esteja dependente do colectivo.

Quando os jogadores portugueses deixarem de emigrar, pelo menos tanto como agora, Portugal tende certamente a ser uma selecção mediana. Ao nível da Bélgica actual. Deixarão de ter oportunidade para crescer num futebol mais exigente táctica e mentalmente, mais competitivo e mais aberto.

Vamos seguir Quaresma com atenção. Se seguir e obedecer a Mourinho pode tornar-se num grande jogador, de rendimento mais consistente e com uma ideia de colectivo que nunca possuiu; se não, continuará a ser um jogador de números fantásticos mas episódicos, que num futebol competitivo e sério não garante a titularidade. Porque em Itália, como em qualquer país futebolisticamente evoluído, não é aceitável andar a correr atrás dos adversários após perdas sucessivas de bola em tentativas goradas de um colega que não participa em acções defensivas.

Vamos seguir também Miguel Veloso. Para saber que reflexo terá para a sua carreira de jogador a ideia que, de tão falada mas gorada, fez dele nova transferência milionária para um dos clubes que todos os jogadores portugueses desejam representar.

E vamos seguir outros mais... Para poder avaliar o resultado desta relação desequilibrada da sociedade com o futebol, que tão depressa idolatra como vilipendia, elogia como ofende, aplaude como assobia.