Não esteve à altura a selecção de futebol contra a Albânia. Portugal apresentou uma equipa jovem, pouco articulada, formada por ex-sub21 que de há três/quatro anos para cá formaram um grupo prometedor, com enormes potencialidades individuais mas com pecados colectivos. Por isso, foram incapazes de ganhar a adversários de topo.
Os suecos, na análise objectiva que fizeram à exibição portuguesa no jogo recente contra a sua selecção, escreveram que os nossos jogadores jogam de cabeça baixa e para si próprios.
Tenho para mim - sem que pretenda discutir méritos futebolísticos e atributos pessoais (indispensáveis para potenciar aqueles...) - que o grupo de jogadores chamados contra a Albânia carece ainda de se afirmar para corresponder entre a elite. Ao contrário do que sugere a intensa e despropositada abordagem pública diária, que promove a imagem e méritos que ainda não possuem, induzindo em erro um país 'futeboleiro' e não de futebol.
Veja-se, a título de exemplo, a narração e os comentários da cadeia de televisão que transmitiu o jogo. Mais deplorável que a qualidade da exibição portuguesa! Portaram-se, simplesmente, como um qualquer espectador de bancada, que por não ter microfone à frente, e sem audiência, tende a utilizar expressões inapropriadas; ou por não ter um entendimento profundo do jogo, é incapaz de interpretar algumas das incidências do mesmo.
Não está em causa a crítica - que é uma das funções da dupla da TVI. A crítica, porém, deve ser alicerçada numa profundidade de análise que habitualmente não existe, por falta de conhecimento e de vivências ou por conveniências mais ou menos perceptíveis. Não deve ser exercida com leviandade, sustentada em subjectividades ou motivada por simples estados de alma. Deve ser equilibrada e exercida com pedagogia.
Se é exigido que treinador e jogadores não percam a cabeça em todo e qualquer momento, do mesmo modo aos comentadores exige-se que se prepararem melhor (a probabilidade de erro a comentar o que se observa é bem menor que as decisões que se tomam em campo) e sejam objectivos nas apreciações feitas. Porque todos são profissionais!
Um exemplo: quando Hugo Almeida surgiu ao segundo poste, a cabecear sozinho para defesa do guarda-redes albanês, um dos comentadores afirmou não compreender o porquê do avançado se ter deslocado para a esquerda e que o seu lugar deveria ser na área. O que ele não compreendeu (não é tão grave que não saiba, inaceitável é que não o reconheça, limitando-se a narrar o que vê...) foi que o avançado apareceu sem oposição nesse lance - e só nesse em todo o jogo - porque ao mudar a sua zona de acção habitual baralhou as marcações naquela segura e autoritária defesa da Albânia.
Objectivamente, Portugal não jogou bem. Terá havido erros de leitura, desinspiração, falta de criatividade (tão cara aos portugueses) e dinâmica colectiva para ultrapassar um grupo coeso. Terá havido uma selecção nervosa e desconfiada de si própria (quase sempre...), com menos atitude competitiva que era exigida (algumas vezes e/ou em alguns jogadores) e com ausência de uma voz de comando em campo (o chamado líder, que não é Ronaldo) que explica confusão posicional em alguns momentos.
Que se analise objectivamente... se a competência der para isso. Mas que não se ofenda, não se incendeie, não se contribua para o estado pantanoso que - sem que se dê conta devida - está a tornar periclitante o futebol português.
Julga-se que este país tem a melhor selecção mas não é verdade; induz-se que temos os melhores jogadores quando em algumas posições há dificuldades em encontrar alguém que cumpra os requesitos mínimos para uma equipa de topo... Cultiva-se a personalidade, mascarada tantas vezes pelo marketing, enganando gente que nunca se habituou a reflectir sobre o mundo que a rodeia e até julga que Portugal joga sozinho!
Confunde-se o que é técnica relevante para a competição, aquela que conta para defender e para atacar com eficácia. Já agora, quantos cruzamentos fazem os jogadores portugueses bem dirigido a um colega que está na área? E, em circustâncias idênticas, quantos certeiros conseguem ingleses e alemães, os toscos dinamarqueses ou suecos que até marcam presença assídua em fases finais?
Quantas oportunidades de golo precisam de ter os jogadores portugueses para finalizar com êxito? E os outros? Precisarão as selecções daqueles países de tanto tempo de posse da bola, de pressionar tanto, de circular a bola e de promover situações de envolvimento colectivo para criarem situações de finalização e - uma vez criadas - terem o êxito supremo de finalizar?
O campeonato português é hoje, basicamente, uma corrida a três. É uma das provas europeias onde se recorre mais à falta em momentos defensivos. É essa a técnica para defender bem?
Os jogos entre candidatos ao título são apresentados publicamente a puxar ao dramatismo (o futebol é vida ou é morte?) e a actuação das equipas parte do objectivo primordial de não deixar jogar o adversário (onde está a festa, o prazer, a afirmação pela positiva?).
Há mais momentos de conflito que de qualidade de jogo; evidenciam-se erros de arbitragem e alimentam-se, posteriormente, aparentes más decisões dos treinadores perdedores. Fomenta-se a guerrilha verbal e o descontentamento em jogadores mimados e egocêntricos, que agem tantas vezes influenciados pelo interesse de empresários, fragilizando-se sempre a autoridade do treinador - a inevitável "besta negra" do sistema.
No campeonato do "antes um ponto que a derrota", o treinador não tem estabilidade para desenvolver trabalho de qualidade e em profundidade. A sua continuidade é ditada pelo resultado de cada jogo e a avaliação da sua competência é exercida arbitrariamente, ao sabor de emoções e de motivações, nem sempre claras. Neste contexto, não há espaço para os jovens jogadores, que cada vez menos têm oportunidade de se afirmar. Afinal, o erro não se tolera e também é preciso errar para crescer!
O jogador é feito vedeta precocemente. Cresceu numa lógica que não discute o jogo, as suas virtudes, a sua essência... Numa lógica que apenas potencia o acessório (arbitragens e polémicas estéreis) e a (sua!) imagem. Embora o jogo seja colectivo e o êxito esteja dependente do colectivo.
Quando os jogadores portugueses deixarem de emigrar, pelo menos tanto como agora, Portugal tende certamente a ser uma selecção mediana. Ao nível da Bélgica actual. Deixarão de ter oportunidade para crescer num futebol mais exigente táctica e mentalmente, mais competitivo e mais aberto.
Vamos seguir Quaresma com atenção. Se seguir e obedecer a Mourinho pode tornar-se num grande jogador, de rendimento mais consistente e com uma ideia de colectivo que nunca possuiu; se não, continuará a ser um jogador de números fantásticos mas episódicos, que num futebol competitivo e sério não garante a titularidade. Porque em Itália, como em qualquer país futebolisticamente evoluído, não é aceitável andar a correr atrás dos adversários após perdas sucessivas de bola em tentativas goradas de um colega que não participa em acções defensivas.
Vamos seguir também Miguel Veloso. Para saber que reflexo terá para a sua carreira de jogador a ideia que, de tão falada mas gorada, fez dele nova transferência milionária para um dos clubes que todos os jogadores portugueses desejam representar.
E vamos seguir outros mais... Para poder avaliar o resultado desta relação desequilibrada da sociedade com o futebol, que tão depressa idolatra como vilipendia, elogia como ofende, aplaude como assobia.